Eu almocei com os escritores
Entre o ruído do espremedor de laranjas, um lustre em forma de cascata
com pedras translúcidas que mais pareciam chuva, o sons dos talheres e dos
finos copos dos clientes, misturado à música ambiente que vinha do coreto da
praça, o plim! dos pratos prontos,
entre risos e intervalos silenciosos, estou eu, aqui, almoçando com os
escritores! Participar de um longínquo festival literário proporciona esse tipo de
oportunidade. Dá graça imaginar que há poucos instantes eu estava os assistindo
em quentes debates sobre a importância do leitor, os títulos da moda e a
importância fundamental da literatura para a vida...
“Ser mediador é o exercício da invisibilidade, quem precisa aparecer é o
escritor...”, diz o crítico literário que se sentou no centro da mesa. Sem terminar
o que dizia, chamou o garçom que passava e, em educado alto som, perguntou:
“Garçom, poderia me dar uma sugestão de um prato tipicamente caipira?”. O
garçom de pronto respondeu: “Meu amigo, aqui tudo é caipira, até eu sou,
serve?” A mesa gargalhou uníssona. Como
não tinha erro, escolheram a velha e saborosa opção: o bom feijão, o alvo arroz
, batatas souté e filé de truta. Por
causa da expansão dos criadouros, era um prazer servir o peixe que caiu no
gosto do paulistano, regado com muita manteiga e fartamente servido com as
opções cogumelos, alcaparras e amêndoas.
Enquanto eu me servia de pequenas torradas com alho e patê de truta
defumada, a conversa corria solta. Sobre mais uma manifestação naquele domingo:
“Será que vai ter panelaço nas varandas gourmet?”, os encontros e desencontros
durante o festival: “Quem estava dormindo no quarto de quem”, até, é, claro, o
tema campeão de todos as rodas de autores: venda de livros! Esse assunto foi
lembrado, como sempre, pelos poetas. Sobretudo por eles que não tinham suas
publicações nas abarrotadas tendas, mas estavam faturando “o que dava” na venda
“mão a mão”, com direito a self. E
para aproveitar o espaço, como geralmente os poetas aproveitam espaços para
vender e descascar suas idiossincrasias, afetos e iras, também abro espaço
nessa crônica e destaco o poeta Nicolas Behr. De traços germânicos e de febril
temperamento, exorciza a “traidora” Brasília e, atira como se fosse um dardo: “Sou
de Brasília e sou inocente!”. Instintivamente alguns levantaram as mãos: “Não
tenho nada nos bolsos, eu juro que declarei pro leão.”, diziam enquanto outros
gargalhavam segurando copos com cerveja gelada, ideal para o calor naquele
final de semana. Nicolas critica o afastamento da poesia nas escolas e na vida,
pois “O poema requer que o leitor complemente o que está lendo e não apenas
frua”.
Trechos e mais trechos eram entoados e ditos enquanto outros buscavam
nas páginas de livros à tiracolo a voz precisa e “necessária” para ser lida.
Enquanto os escritores bebericavam cervejas e alguns tipos de destilados, liam
trechos dos próprios livros ou de outros, enquanto o crítico literário
privilegiava a resenha.
Parece que bebida de escritor tem mais etílico que a de outras
profissões. Por exemplo, uísque de publicitário tem mais gelo sempre, eles não
tem coragem de encarar as coisas como são. Já vinho de arquiteto tem mais aroma
frutado; agora se é vinho de escritor, a cor é diferente, tipo vinho
laranja, já ouviu falar? O tempo de saturação é sempre outro, assim como a
caipirinha de escritor está mais para alquimia, que mistura o
improvável para que o imponderável se
manifeste.
De repente o silêncio total, momento de apreciar a comida caipira, que,
realmente, estava muito saborosa. Alguns com rubor etílico como a “namoradinha”
do festival, Tércia Montenegro, que queria trocar metade de sua truta de
alcaparras com metade de amêndoas. E, mais uma vez, Mário Prata se aproxima da
mesa e, como fez na mesa de debate antes da dele, interrompeu o almoço do grupo
com sua pauta particular relembrando Tércia que “Era preciso ficar um pouco
mais descabelada, pois escritor certinho não vende livro”. Quem se interessa
pela “normose” não vai ler e como disse o escritor Raimundo Carreiro: “Só
quando se acessa a inquietação na própria alma vai precisar ler e escrever”.
Depois da golada na cerveja gelada, Mário tirou do bolso um livro que ganhou de
um escritor iniciante. “Não sei por que insistem em querer saber a opinião de
outro escritor, eu só escrevo, também procuro o caminho das pedras para
vendê-los”. E continuou: “Minha mesa lá fora vai liberar, não querem almoçar ao
ar livre?
Desistiram da mesa de dentro do restaurante, cada qual segurava seus
talheres e bebericavam seus copos. O garçom esbaforido, levou todos os pratos
até a mesa na varanda, porque todos queriam ser vistos.
Virando de costas, ainda conseguia vê-los lá fora.
Pedi um café e a conta. Valeu ter almoçado com tantos escritores.
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