O que fica de nós em quem conhecemos?





11 anos se passaram. Minhas amigas da faculdade de jornalismo querem marcar um encontro. É a primeira vez que vamos nos ver depois de todo esse tempo. Quando estudávamos fomos muito unidas e éramos conhecidas como “bocas enlouquecidas”, falar e rir era nosso esporte predileto.
Hoje sinto-me distante delas, estou mais gordinha que antes e também menos paciente.  Sim, sou a mais velha da turma. Será que eu vou? O que vou contar? Por onde começo? Ensaio uma história, edito o que dizer na minha cabeça e acho tolo. É melhor deixar acontecer na hora.

Só depois de um certo tempo a gente começa a entender para que servem os amigos, as amizades e os vínculos. Esses laços criados por afinidade, uma construção morosa que fazemos ao longo da vida. Pessoas que registraram sua presença em nossa lembrança e foram protagonistas no jogo de amarelinha, em criar castelos na areia da praia, nas longas tardes rodeado de vídeo game com pipoca, dos ensaios no coral da igreja, das festas juninas na rua, da banda de garagem (que só ficou na garagem). Até primo da mesma idade vira amigo.
Quando somos crianças chamamos todos aqueles que brincam com a gente de amigo. Esse grupo de pessoas que magicamente constituímos ao nosso redor, muitas vezes sem lembrar como exatamente aconteceu: se escolhemos ou fomos escolhidos. Mas, acontece, simplesmente.

Durante esses 11 anos minhas amigas e eu cultivamos alguns breves encontros, desenvolvemos algumas e novas afinidades. No mais tudo parou. Durante esse tempo nosso vínculo foi o que chamo de amizade “ponta de dedo”, essas que a gente digita e se reconhece numa foto em alguma rede digital. Sem se encontrar  e nem tão pouco conviver.

O que nos juntou presencialmente foi a notícia da morte do provocador Antônio Abujamra. Durante o 4º semestre da faculdade de jornalismo, fizemos um trabalho sobre o programa Provocações. Foi nesse projeto que descobrimos nosso lado anarquista, nosso senso crítico e a necessidade de revolução. É, mais uma vez a morte nos estimulando a viver.

Chego na hora e local marcado, foi numa padaria bacana perto da Avenida Paulista. Que sensação boa essa do reencontro. A essência de todas estava como antes, mudadas apenas na vestimenta e na maquiagem. Falamos  sem parar nomes de livros, de autores, filmes e viagens que mudaram nossas vidas.  Livros lidos em nossos apartamentos de um quarto, pagos com salários de um dígito, acompanhadas por relacionamentos de longa data, os “namoridos”  e as “namoridas” predominavam. 

A única que se casou na igreja  e no civil foi a Camila, adorava ‘queimar sutiã’ na sala de aula dizendo que “nunca se casaria”. Pergunto a Fabiana “qual foi a incoerência nesses 11 anos”  e ela disse: “Eu conheci a Disney, presente do André, meu atual ‘namorido’ ”. Sem  perder tempo, Priscila disparou: “Antes de embarcar você apagou aquela sua tatuagem do Che Guevara das costas, né?”. Gargalhei como quem estava no controle. “E você Paula, qual foi sua incoerência nesses 11 anos?”. Fiquei muda com a pergunta. Queria justificar que não foi bem uma incoerência, afinal sou a mais velha, posso errar mais. “Bem eu...” falei pausadamente, “eu trabalho com política, escrevo jornal panfletário, daqueles que o Prof. Laércio ensinava em jornalismo operário. Ah, e fiz muitos memes para internet”. Novamente vem a  Priscila com sua super memória: “Aulas do professor que você mais faltou, né?”. Antes mesmo que alguma de nós perguntasse a Priscila sobre suas incoerências, ela já foi dizendo: “Acho que fui a única coerente nesses 11 anos. Persisto nas minhas incoerências, elas continuam as mesmas: o mesmo “namorido”, os mesmos alucinógenos e parei de fumar”.  Ao que Priscila se dá conta: “ É, talvez ter parado de fumar seja a minha maior incoerência, sabe que eu não sei por que parei?”  Todas nós rimos, afinal é o melhor a se fazer.  
Numa longa tarde conversamos e tentamos pensar o que poderíamos ter feito de diferente com nossas escolhas depois de formadas.

Perguntei o queriam comer. Apesar de todas terem a preocupação com o sobrepeso e do colesterol alto (sim, pessoas com menos de 25 anos tem colesterol alto), pedimos o de sempre desde a faculdade: pizzas, salgadinhos fritos e refrigerantes.

Nesse dia me dei conta que parte da minha história estava nelas, em suas memórias, no que era possível de ser lembrado. Eu queria saber as recordações que elas tinham, queria ouvir e relembrar uma parte de quem eu já tinha sido.  A 11 anos eram amigas que estavam comigo todos os dias e agora eram testemunhas de uma parte da minha vida. Mas, o tempo é habilidoso em deixar o que de fato é essencial, o que realmente tem sentido.


Enfim, coisas de reencontro com amigas de faculdade!

Paula Ribas 

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